Militares na Política

O livro “Forças Armadas e Política no Brasil”, do professor José Murilo de Carvalho, doutor em Ciência Política e docente da Escola de Guerra Naval, analisa a participação política dos militares, especialmente, do Exército. A Marinha apareceu com menos frequência no livro, sendo que a participação naval mais relevante foi a Revolução da Armada em 1893. Desde já, podemos adiantar que a opção pela neutralidade política da Marinha foi a melhor opção e, de acordo com o autor, está ligada ao perfil mais profissional dos seus militares.

No final do período do Brasil Império, a carreira militar já não era atrativa à classe nobre e os militares não eram reconhecidos socialmente. Numa tentativa de melhorar o prestígio, o curso da Escola Militar passou a contar com muita filosofia, matemática e literatura, sob a docência de Benjamin Constant (1836-1891) e outros positivistas. Ali eram formados "bacharéis fardados" e poetas, como Euclides da Cunha (1866-1909), que preferiam o título de "doutor tenente". O positivismo dos bacharéis casou com a “Questão Militar”, de Marechal Deodoro (1827-1892) e Rui Barbosa (1849-1923), tendo em comum a causa republicana e a defesa dos direitos políticos do “soldado-cidadão”. Dessa união, foi proclamada a República, com as ideias dos bacharéis e o espírito de corpo dos “tarimbeiros” (alcunha pejorativa dada pelos bacharéis aos ex-combatentes da Guerra do Paraguai). Nasceu ali uma geração de militares com consciência política, porém um tanto distante do espírito militar para a defesa da pátria.

A opção em adotar uma formação multidisciplinar na Escola Militar foi importante para inserção dos militares nos problemas do país, como na causa republicana. Esse modelo, portanto, é bem-vindo nos atuais cursos de carreira e altos estudos, desde que seja mantido o foco de preparação para a guerra e de defesa nacional. Aliás, com essa visão, alguns Oficiais foram enviados para serem treinados na Alemanha (os "jovens turcos") e outros para a França (a “Missão Francesa”), a partir da década de 1900. Com eles, houve um resgate da formação militar e a figura do "soldado-profissional", sendo fortalecida a postura de neutralidade política das Forças Armadas, especialmente com a Missão Francesa. Durante a Primeira República, essa era a postura da maioria dos militares, representada pelo General Leitão de Carvalho (1881-1970), embora tenham ocorrido eventos isolados, como a Revolta de 1922. Sem dúvida, esse modelo de neutralidade política é o melhor para as Forças Armadas.

Depois veio um período de intensa intervenção política por parte dos militares,que resultou na Revolução de 1930, com a posse, manu militari, de Getúlio Vargas (1882-1954). Ressurgiu a ideia do "soldado-corporação", com raízes na Constituição de 1891, onde caberia às Forças Armadas o papel moderador em momentos de instabilidade política. Este foi um caminho de consequências negativas, que gerou divisões e casos de indisciplina, mesmo entre os Oficiais. Um exemplo foi a Revolução de 1932, liderada pelo General Klinger (1884-1969), quando foram punidos 506 Oficiais, incluindo 7 Generais. Em relação à Marinha, o Chefe da Esquadra descumpriu a ordem de bombardear São Paulo, sendo apoiado pelo Clube Naval.

As divisões ideológicas, além de terem gerado indisciplina, também deixaram as Forças Armadas vulneráveis aos apelos políticos. Isso pode ser visto quando Vargas, com apoio do General Góis Monteiro (1891-1963), conquistou a fidelidade dos militares por meio da compra de armamentos, navios, promoções de Oficiais e outros benefícios. Com essa fidelidade, Vargas fechou o Congresso e outorgou a Constituição, inaugurando o Estado Novo em 1937. Porém, o “namoro” foi rompido quando o presidente abraçou a causa operária e o Partido Comunista, sendo deposto em 1945 pelos militares que, dez anos antes, tinham lutado contra a Intentona Comunista. Os militares não deveriam ter ingressado no “vai e vem” do jogo político. Ao ingressarem, permitiram grande instabilidade na caserna, inclusive com adeptos da revolução social dos operários, se referindo às praças. Veio, então, o Golpe de 1964, “que não ocorreu pela ação da fortuna, mas pela ausência de virtu”, quanto ao descuido com a polarização ideológica.

Concluindo, embora o autor critique a presença dos militares na política, inclusive no atual governo, essa presença pode proporcionar prestígio e visibilidade social positiva às Forças Armadas, pelo desempenho probo e eficiente da função. Porém, deve-se usar a cadeira política como cidadão, sem usar o “chapéu militar”. As Forças Armadas tem missão permanente de Estado (art. 142, CRFB/88), que não se confunde com as políticas ideológicas temporárias de Governo. Aliás, está tem sido a atual postura dos Oficiais da Marinha em cargos políticos. Com esse afastamento será respeitado o pluralismo político (art. 1°, V) e a independência dos Poderes (art. 3°). E também evita o ingresso no quartel da polarização ideológica, ativa ou reativa, que teve consequências históricas negativas, repetidas nesta resenha. Em suma, as regras do jogo democrático devem ser respeitadas, conforme dito pelo atual Comandante da Marinha à Revista Época, em abril de 2021: “as Forças Armadas cumprem (as ordens do presidente) dentro da legalidade, dentro das quatro linhas da Constituição”. Essa sempre foi a posição da Marinha.

Referência Bibliográfica: Forças Armadas e Política no Brasil. José Murilo de Carvalho. Editora Todavia, 2020. São Paulo.

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