COMO HABITAR O TEMPO - James K. A. Smith (RESUMO)
Editora Thomas Nelson, 2023
Introdução – Todos temos uma história, como um mapa pessoal. Nossa história faz parte do que somos. Jesus ressuscitado manteve as cicatrizes. Na redenção, quando nascemos de novo, elas também permanecem lá. As vezes nos perdermos, como uma desorientação (quando estou?). Discronometria. Cristianismo de tempo nenhum ficam apenas na abstração da eternidade dos dogmas. Tal como as fórmulas bíblicas são atemporais, mas elas possuem um significado hic et nunc. A concepção “tempo nenhum” segue a generalidade, a infinitude de que “todas as vidas importam”; contudo a percepção do aqui e agora localiza o significado do genérico para no seu tempo específico, então, constata-se que, hoje, as “vidas negras” precisam de socorro. A verdade que ocorre na intersecção da eternidade e do tempo, como na encarnação do Cristo, ocorrida na plenitude dos tempos (Gl 4:4). Para Kierkgaard, um momento passageiro, singular, instantâneo; mas eterno no significado. Saber contar os dias (Salmos 90:12) não é apenas riscar o calendário dos dias passados, mas discernir que tempo está. É a percepção da nossa finitude moldada pela aliança e guiada pelo Espírito, impulsionada ao futuro de esperança. Então, como diria Heidegger, a fé é o modo de a fé-entendimento existir na história. Discernir o Espírito no tempo é menos uma marcha “esquerda, direita, esquerda, direita” e mais uma dança sutil, uma orquestra regida por Ele, esperando para ser sintonizada.
1. Criaturas do tempo. Agostinho diz que o passado é impulsionado para trás pelo futuro e o futuro resulta do passado. O tempo está conectado como a linguagem, onde a comunicação só é possível quando uma palavra dá lugar a outra. O tempo não nos é apenas uma condição ambiental, habitamos nele. Ser é ter sido, onde a medida do “eu” sempre é maior que o “agora” (Hurssel). A nossa temporalidade é pegajosa: hábitos vão ficando no mais profundo substrato do “eu”, tornando a vida possível e, ao mesmo tempo, limitando-a. Resistimos à contingência da nossa existência. Cada escolha cria novas possibilidades e deixa rastros de impossibilidades. Em determinados momentos perguntamos “como cheguei aqui?”. É o que Heiddeger chama de “condição de lançados” – o acumulo de escolhas parece que fomos arremessados, pois de algum modo algumas coisas já foram decididas por nós. Contudo, não somos vítimas de nossa história, que é sempre contingente. Somos mais do que a soma das partes, não somos vítima da história. Há diferentes modos de nos relacionarmos com ela. Como nossa história nunca desaparece, o discernimento é uma virtude central. Discernir é ter consciência de que o Espirito está em marcha e cabe a nós reconhecer e viver conforme. Nos unir a Ele. “A coruja de Minerva levanta voo ao cair do crepúsculo” (Hegel) – temos de passar por algo para ter clareza, sabedoria, discernimento. O trabalho do discernimento nunca está completo, pois o Espírito está sempre em ação na história.
2. Uma História do Coração Humano. “O tempo é o rio que se arrasta, mas eu sou o rio”. Um dia tem vinte e quatro horas em Pequim e em Boluder, mas a experiência do tempo não é universal. Não compare suas árvores robustas do clima temperado com a floresta ártica do vizinho. Deus não compara. No frio, é necessário muito mais energia e o tronco de suas árvores possuem mais anéis de crescimento. Ignorar o passado não é uma maneira de escapar dele. Contudo, você não pode voltar para casa de novo, porque o você que chega não é o você que partiu, e a casa que você deixou não é a casa que você volta. A memória muscular é como a história vive no corpo, mas somos potencialidades, o “ser possível” (Heidegger). Mas as possibilidades não são infinitas. Somos lançadas nos limites da nossa história. Confiar em Deus é confiar que foi Ele quem nos lançou. Não anula a contingência, mas assegura a presença divina em nossas histórias. Deus está escrevendo um novo capítulo não numa folha em branco. A luz do domingo da ressurreição não paga a escuridão do sábado. O cristianismo de “tempo nenhum” é de página-em-branquismo. Ter nova vida não é reiniciar do zero.
3. As dobras Sagradas do Kairos. Por definição, ser sábio é ser o que você não tinha nos dias passados, por isso “não diga que os dias do passado foram melhores do que os de hoje” (Ec 7:10-14). A vida deve ser entendida em retrospectiva, mas vivida em prospectiva (Kierkgaard). Na obra “O enterro do conde de Orgaz”, El Greco coloca Estevão, Agostinho, João Batista e outros no mesmo espaço. O tumulto temporal da obra faz o futuro tocar o presente. Como na obra, a encarnação é a conexão entre história e eternidade; é o sustentáculo do cosmo. A encarnação na “plenitude do tempo” (Gl 4:4) é a reviravolta das possibilidades humanas. A história importa, mas o que mais importa é como ela te toca. Ser testemunha não é apenas conhecer a história, mas é seguir – “vem e me siga”. No caminho para Emaús, não bastou conhecer a história; tem algo a mais; tem um encontro. Um ato de eternizar a história e de historizar o eterno, sacralizando o tempo e achata o cronos porque é o kairos que faz toda a diferença. Os atos litúrgicos (ceia, páscoa, etc) não são apenas para recordar, mas sim para reviver: páscoa de novo, natal de novo. Precisamos te muito cronos para reconhecer o kairos. Todo kairos é o pequeno portal pelo qual o Messias entrará.
4.
Abrace o Efêmero.
Nossa finitude não
é fruto da queda. Ser criatura é ser mortal: o
sol nasce e se despede todos os dias. Só
Deus é infinito. Não há
prazer na música sem a natureza
fugaz de cada nota efêmera; por
isso a contingência também
é uma dádiva.
O segredo está em saber
viver o hoje. Por isso, para
Agostinho, há três tempos: o presente do tempo passado, o presente
do tempo futuro e o presente do tempo presente. Sempre é o presente.
O segredo é viver o presente
sem “presentismo”, como se só ele importasse; viver o presente
sem ser definido pelo Zeitgeist. Não
é a finitude da flor que
logo morrerá, mas na sua beleza que hoje ornamenta. Isso
é oposto da propensão
pós-moderna: capta-se
da instante com seus
smartphones, mas deixa-se de
viver o sabor do presente. Isso corresponde
a perder o mundo. Claro
que o tempo leva embora o que
amamos e deixa na alma multidões de fantasmas. Eles
se alimentam daquilo que a mente é escrava, que tenta
segurar. O segredo, diz Agostinho, é aprender amar o que você sabe
que perderá. Não significa desprezar o que é efêmero; mas
segurá-lo com mão aberta. Abraçar
o efêmero e ser
mortal é a arte de saber ser encantado e agradecer.
É a arte de saber perder. E
quando as perdas se acumulam, temos
que exercer a arte de viver
na corda bamba, praticada sobre a rede de Deus.
5. As estações do coração. Muitos vivem na lógica do fast food, que privilegia a velocidade e a disponibilidade. Temos que resgatar o modo slow food de viver. O princípio mais fundamental é a sazonalidade. Dividir o tempo em estações; não em momentos rápidos. Em vez de ser governado pelo tique-tac do relógio, a vida se desdobra em eras. A sazonalidade é percebida na Bíblia - para tudo há um tempo certo (Ec 3:1). A sazonalidade exige discernimento. A estação pode ser muitos anos, um dia ou poucos segundos. É menos saber “que tempo é este”, mais “o que fazer neste tempo”. O tempo se discerne pelo que fazer nele. Tempo de plantar e de arrancar o que plantou; de derrubar e de construir; tempo de lutar e de viver em paz. É fazer parte do mistério, confinando no Senhor. Discernir é a arte, o desafio de reconhecer que a estação, na maioria das vezes, se forma posteriormente – a coruja levanta voo no crepúsculo. Só reconhecemos em que estação estamos depois de passar por tantas outras. Discernir, dentre muitos sons, aquele que deve ter precedência, atenção. É o chamado focal da estação. Por exemplo, muitos experimentam uma longa estação cujo chamado focal são os filhos. Outras estações, o Espírito nos chamará para cuidar de um ente querido. Alguns estações existem para viver a noite escura da alma, a solidão desalentadora de Deus. Mesmo ali, na noite escura, há coisas para viver e apreender – na pandemia poderíamos ter apreendido ser mais solidários. O que define as estações primavera e inverno é a inclinação da Terra. Em alguns lugares as noites são mais longas. Não tenha a pressa do fast food; viva no modo slow food. Aguarde a inclinação certa. E, as vezes, a noite escura, tal como uma tempestade, simplesmente, é tempo de descansar. Existe momento que o chamado focal que precisamos ouvir é: “descanse!”.
6. Sobre não viver à frente do tempo. A vida cristã é como viver nesse tempo de espera. Estamos esperando o Criador concluir o processo. Hume disse que apenas somos capazes de imaginar o que experimentamos. Até nossos sonhos são limitados pelas impressões sensoriais. Sendo assim, as visões escatológicas dos profetas bíblicos são criadas a partir das mesmas impressões. Portanto, viver escatologicamente é mais sobre saber viver o presente do que conhecer o futuro. Tal perspectiva está em oposição ao modo de viver escapista espiritualizado que afirmam a separação radical deste tempo e do eschaton. Também não podemos ser seduzidos pelo “planejamento pelagiano”, o mesmo que os zelotes utilizam: o futuro será o produto dos nossos esforços (lembro dos missionários: o reino só virá quando o Evangelho for pregado em todas as nações). Hurssel diria que o agora é um acorde melodioso que desaparece para dar lugar o outro e produzir a música, mas que deixa seu rastro, dando significado aos demais. Um agora é sempre a extremidade em um intervalo de tempo. Então, o viver escatológico não é apenas um olhar para o futuro, mas viver o agora com uma orientação escatológica. Quando mais mergulhamos neste modo de viver, mais percebemos que somos definidos pelo futuro. É como que o eu-futuro (a profissão que sonho, o pai que quero ser) vem ao encontro do eu-presente, remodelando o eu-passado. Isso é a temporalidade de Heiddeger, o ser no mundo. Ele diz que a parousia de Cristo não é uma questão de mera espera e nem cognitiva (saber quando); mas sim “como viver agora à luz dessa expectativa”. Viver orientado por uma bússola temporal, que localize o fluxo do tempo.
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